Criador genial, empresário comum


Não há a menor possibilidade de se negar as qualidades de Steve Jobs como criador no mundo da tecnologia. Ele foi o principal nome do grupo de jovens empreendedores do Vale do Silício, na Califórnia, que, a partir dos anos 1970, transformaram o computador de um monstrengo gigantesco a um útil aparelho que cada vez mais todos temos em casa e no bolso e sem os quais não conseguimos mais viver. Se eu escrevo este texto em um computador e você o lê em outro, é porque um dia pessoas como Jobs assim o criaram. Se existem os smartphones e tablets, é pela mesma razão.

Ressalte-se que o seu faro para a auto-publicidade era muitíssimo acima da média ao dar poucas entrevistas, se apresentar sempre com o mesmo tipo de roupa e fazer apresentações dos produtos da Apple de maneira midiática. Quase tão importante quanto o produto é a maneira como o público o vai conhecer, é outra lição que ele deixou.

São exatamente por estes motivos que existe uma idolatria generalizada por Steve Jobs, e talvez seja inédito na história da humanidade que a morte de um engenheiro e empresário tenha o mesmo impacto que a de um pop star. E é aí que mora o problema: o técnico Jobs, o criador de softwares e hardwares, era um gênio. O empresário, apenas mais um com as mesmas estratégias nada saudáveis que tantos outros empresários têm.

Mítico nos produtos que criou, o dono da Apple não foi maior que a média na preocupação com a linha de montagem deles. Por Fernando Vives. Foto: AFP

Quem produz os aparelhos que a Apple desenvolve é a fábrica taiwanesa Foxconn, que virou notícia mundial por conta dos altos índices de suicídio entre funcionários no ano passado. Entre janeiro e maio de 2010, 16 empregados da fábrica tiraram a própria vida, a maioria dos quais se atirando do alto da sede da empresa. Como boa parte das fábricas da China e de Taiwan, a Foxxconn, segundo amplamente veiculado pela imprensa, tem uma gestão considerada militarizada, na qual os funcionários da linha de produção trabalham demais e ganham pouco, normalmente em condições aviltantes. A Apple, assim como Dell, Nokia e Sony, que também terceirizam a produção com a Foxxcom, seleciona muito imprudentemente as empresas com as quais trabalha.

“A Apple só faz exatamente o que as outras empresas fazem”, é o argumento mais comum de quem defende a prática da empresa criada por Jobs. É aí que mora o problema: se um sujeito cria produtos de qualidade indiscutível que dominam o mercado, por que não exigir que a confecção de seus produtos seja também feita em alto nível – o que, no caso, seria apenas condições dignas de trabalho?

A genialidade que sobrou a Steve Jobs para criar produtos e utilizar o marketing para alçá-lo a um status cool não parece ter se manifestado na forma de preocupação sobre como esse produto era produzido. A revolução da técnica não virou uma evolução do sistema de produção capitalista do qual tanto tirou proveito. Talvez esta dicotomia de Jobs seja o grande problema do capitalismo atual: fabricar produtos incríveis a um lucro máximo é a prioridade absoluta. Jobs é hoje um sinônimo de quem venceu na vida. Aos não-gênios que apertam parafusos, resta-lhes o suor.


Fernando Vives -
Carta Capital

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