A revolução Geek



Livros intempestivos são uma subcultura interessante. Lembro-me de Dow 36.000, escrito por James Glassman e Kevin Hassett, publicado em 1999, quando a bolha de tecnologia chegava ao pico. Agora temos o livro de Evgeni Morozov The Net Delusion - que leva o subtítulo The Dark Side of Internet Freedom. Ele chega às lojas quando a juventude na Tunísia e no Egito, armada com o Facebook, se levanta para mostrar o poder libertador da mídia social.


Morozov, nascido na Bielo-Rússia, educado na Bulgária e vivendo na Califórnia, é um jovem de roupas amarrotadas, óculos, 26 anos ("sou embaraçosamente jovem", me disse ele), sem carteira de motorista e um cérebro fora do comum. É divertido e fala muito rápido, como se as palavras estivessem tentando, em vão, compor-se com as ideias que passam pela sua cabeça, como elétrons em torno de um átomo.

E essas ideias, reunidas no seu livro repleto de detalhes, são do tipo: os idealistas do mundo cibernético, principalmente a secretária de Estado Hillary Clinton, difundiram uma perigosa ilusão ao sugerir que, por meio dos blogs, Twitter, Facebook, YouTube e Google, o mundo consegue abrir o caminho para a liberdade e a democracia.

Numa era em que os melhores e mais brilhantes hoje são também os mais geeks, Morozov afirma que, com frequência, a chamada "doutrina Google" se tornou uma sedutora armadilha. A internet, na verdade "dá poderes aos fortes e os tira dos fracos". Longe de favorecer os oprimidos, ela dá novos instrumentos para o opressor reprimir alguns oponentes - "uma senha roubada hoje abre portas de dados que não existiam" - colocando outros numa atitude passiva.

O fato de a mídia social estar dominada pelas corporações americanas dá munição a governos repressivos, da Bielo-Rússia à China, para tramarem convincentes teorias conspiratórias, fundindo, digamos, o Twitter com complôs do governo americano, especialmente quando, como ocorreu com a insurreição iraniana em 2009, existem contatos públicos entre autoridades do Departamento de Estado americano e a companhia.

Considero Morozov brilhante e seu livro é uma provocação útil. Mas acho também que ele está totalmente errado.

É certo que na primeira década do século 21 o autoritarismo antiocidental vem tomando corpo, e não há dúvida de que aqueles que administram sistemas repressivos estudaram como explorar, ou suprimir, uma tecnologia revolucionária que os desafia. Mas eles nadam contra a corrente. A liberdade de os indivíduos se conectarem é um instrumento de libertação - e poderoso.

Escrevo este artigo no meu retorno da Tunísia, onde o Facebook permitiu que os jovens manifestantes se conectassem para derrubar um ditador, como também vejo as imagens no YouTube dos corajosos jovens egípcios enfrentando os cassetetes e os canhões de água dos asseclas de Hosni Mubarak.

"Eles têm tudo, eles têm tudo", dizia um manifestante ensanguentado sobre a força bruta que enfrentou. Sim, quando o que você tem é um grande martelo - e isso é só o que ficou no arsenal dos regimes árabes decadentes e nepotistas -, tudo parece um prego.

A verdade é que esses homens - some o governo de 23 anos do ditador tunisiano deposto Ben Ali aos reinados de Mubarak e Kadafi na Líbia e você vai ter quase um século de despotismo - são relíquias que o mundo ligado na internet mostrou serem de mentira.

A organização, a comunicação em rede, o acesso a ideias e informações suprimidas, a prática do debate e o fortalecimento pessoal numa cultura de humilhação e conspiração: eis algumas dádivas que a mídia social vem concedendo a populações, na maioria jovens, em todo o mundo árabe.

O impacto da internet reside sobretudo no fato de ela expor a ilusão que levou os governos ocidentais a apoiar os autocratas árabes: de que a alternativa seriam os jihadistas islâmicos. A revolução na Tunísia foi da classe média, não islâmica e pró-ocidental. As pessoas nas ruas do Cairo são jovens conectados, não ideológicos e pragmáticos. Eles querem a promessa de que Mubarak não participará da eleição neste ano nem transferirá o poder para seu filho Gamal, que, a propósito, tem um belo apartamento na elegante Eaton Square, em Londres.

Se Hillary Clinton foi séria ao anunciar que a prioridade dos Estados Unidos hoje é "aproveitar o poder das tecnologias de conexão e aplicá-las a nossas metas diplomáticas" e se acha realmente que as estruturas árabes estão "afundando na areia", este é o momento de apoiar a mudança no Cairo.

E não posso pensar numa melhor expiação para os erros de Morozov do que ele aplicar sua genialidade e conhecimento da internet à causa da democracia tunisina e egípcia. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO - Jornal "O Estado de S.Paulo"


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