Viciados e lucrativos

Depois de se livrar de problemas com álcool e drogas há mais de duas décadas, o ator e comediante Tom Arnold se tornou um silencioso agente de reabilitação na comunidade de Hollywood, facilitando intervenções que ajudassem astros e executivos da indústria a se livrar do vício.

Mas até um experiente sobrevivente do show business como Arnold ficou chocado com o que ocorreu quando tentou afastar seu amigo e ex-vizinho, Charlie Sheen, da beira do abismo. "Procurei uma pessoa próxima a ele e disse: ‘Esse sujeito está envolvido com drogas pesadas. Temos que ajudá-lo’", lembrou Arnold numa entrevista. "E a pessoa me respondeu, com toda a sinceridade: ‘Ganhamos muito dinheiro com ele. Não posso tomar parte nisso’".

Embora o mau comportamento de estrelas seja tolerado em alguns setores - por exemplo, nos esportes e no universo da alta costura -, Hollywood tem um longo histórico de encorajamento a viciados. Médicos contratados pela Metro deram a Judy Garland anfetaminas e outras drogas para combater o cansaço e controlar o peso, preparando o terreno para uma luta contra o vício que a atriz acabaria perdendo. No caso de Sheen, consumidor de crack e frequentador de prostíbulos, muitos dizem que sua situação é resultado da ação de uma longa lista de facilitadores: empresários, agentes, publicitários; assessores e companheiros de farra; prostitutas, traficantes e estrelas pornô; e a imprensa sensacionalista, que há anos lucra com suas peripécias.

O esforço dessas pessoas pode ter sustentado Sheen durante sua carreira, mas parece que o tiro finalmente saiu pela culatra. Como protagonista de uma comédia campeã de audiência, Sheen é mercadoria valiosa na Hollywood de hoje, e seu ataque de nervos público ocorreu no ponto mais rentável de sua carreira. A CBS, que transmite o programa Two and a Half Men, e a Warner Brothers, sua produtora, cancelaram o restante da atual temporada e podem perder US$ 250 milhões se a próxima também for cancelada.

A decisão de cancelamento foi tomada depois de tentativas de convencer Sheen a admitir seu problema com o vício. Um executivo ligado ao programa falou de uma recente visita de Leslie Moonves, principal executivo da CBS, e Bruce Rosenblum, diretor do grupo de televisão da Warner, à casa de Sheen. Eles acharam o ator mais para sem-teto que para estrela. Sheen teria concordado em ser internado numa clínica, mas, dias depois, disse que se recuperaria em casa. Os dois concluíram que Charlie estava zombando deles.

A inacreditável resistência do ator permitiu que ele misturasse trabalho e diversão de uma maneira que teria derrubado outros. "Ele podia ficar na balada até as 5 da madrugada, mas às 7 estava sempre no estúdio", disse alguém próximo a Sheen.

Mas não foi apenas a saúde de ferro que permitiu ao ator continuar trabalhando. Basta perguntar aos que já conviveram com Sheen qual a lembrança que têm dele e a resposta invariavelmente envolve sua generosidade e sua capacidade quase sobrenatural de cair nas graças das pessoas, apesar de seus demônios internos. Jim Abrahams, que dirigiu Sheen em Top Gang - Ases muito Loucos e Top Gang 2: A Missão, lembra como o ator passou a lhe dar presentes, como uma bola de beisebol de 1957 autografada pelos Milwaukee Braves, depois de descobrir que o diretor era fã de esportes e tinha nascido no Wisconsin. "Ele é um ator de enorme talento", diz Abrahms. "Não reconheço o sujeito ressentido que tem aparecido nessas entrevistas na TV. Nunca vi esse lado dele e duvido que na época ele não estivesse abusando das drogas no tempo livre."

Abrahams afirma que Sheen falava abertamente sobre seu vício, chegando a mencionar o estrago que tal estilo de vida já teria causado em seu cérebro. "Ele me disse que ao assistir a seus filmes não se lembrava de ter gravado cenas inteiras - não porque estivesse sob o efeito de drogas enquanto atuava, mas porque todo aquele embalo já estava começando a afetar sua memória."

Em termos de salário, o auge de sua carreira cinematográfica foi Velocidade Terminal (1994), thriller de ação da Disney pelo qual o ator recebeu US$ 6 milhões. O filme teve retorno modesto de bilheteria, mas o grande golpe contra o valor de mercado de Sheen foi o espetáculo público de seu depoimento, registrado em vídeo, na acusação de conspiração federal e evasão fiscal contra Heidi Fleiss, cafetina de Hollywood.

Sheen admitiu ter gastado mais de US$ 50 mil com prostitutas num ano. Pouco à vontade no depoimento, fez comentários machistas que depois se tornariam sua marca registrada em Two and a Half Men. "Serviços heterossexuais", diz ele em certo momento, esclarecendo o que Heidi Fleiss fornecia. Sheen também se envolveu em incidentes de violência doméstica com duas de suas mulheres e, no semestre passado, uma acompanhante paga disse que ele tentou estrangulá-la. Alguns dizem que seu comportamento com as mulheres foi tolerado porque Hollywood mantém a atmosfera de um clube masculino, e as empresas apontavam o fato de ele não ter sido acusado formalmente ou ter recebido penas leves pelos incidentes.

Além de Tom Arnold, outras pessoas na vida de Sheen tentaram convencê-lo a se tratar, como Sean Penn e Mel Gibson. Martin Sheen, que lutou contra o vício no passado, foi talvez aquele que exerceu mais pressão. Em 1998, quando Charlie foi levado de ambulância para o hospital por "cansaço extremo", seu pai convocou uma coletiva. "Meu filho sofreu uma overdose de drogas", disse Martin, chorando. "Esperamos que concorde com a recuperação e finalmente se liberte."

Charlie Sheen acabou procurando a reabilitação, mas o incidente provocou um cisma. "Não se pode comentar esse episódio com ele", disse Arnold. "Charlie ficou furioso com aquilo. Demorou algum tempo até que voltasse a falar com o pai. Mas tenho certeza de que, na época, a vida de Charlie foi salva por essa intervenção."

BROOKS BARNES, BILL CARTER E MICHAEL CIEPLY - THE NEW YORK TIMES

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