Do que foi dito, ou não


As ressalvass ainda persistentes ao preparo de Dilma Rousseff para tornar-se presidente -algumas, de evidente seriedade, a maioria com os mesmos odores exalados durante a campanha eleitoral- remetem a um precedente já integrado à história e a duas constatações bem à mão.


JÂNIO DE FREITAS, Folha de S.Paulo

As semelhanças entre o tratamento opositor dado a Dilma Rousseff e a Michelle Bachelet, que neste ano passou a Presidência do Chile a Sebastián Piñera, chegam a parecer original e reimpressão. Médica e ex-ministra, na campanha e antes da posse Bachelet foi submetida à insistência de ressalvas e contestações à sua experiência administrativa, à capacidade de enfrentar os problemas econômicos que diziam avizinhar-se do Chile e ao traquejo para operar com as forças parlamentares. Era, lá, a antecipação de escritos e vozes do Brasil de hoje.

No Chile de tão forte direitismo, pesavam sobre Bachelet desconfianças de que sua Presidência teria as marcas das ideias socialistas com que era identificada e, de quebra, do ressentimento que lhe supunham: Bachelet também fora vítima da ditadura militar chilena. Lá, como cá.

Apesar de tantas semelhanças entre a ex-presidente e a eleita presidente, o passado de Michelle Bachelet nada prenuncia do futuro de Dilma Rousseff, mas nem por isso o registro é inútil: ao passar o governo, Michelle Bachelet vinha com 85% de aprovação, o maior índice já alcançado na América Latina. Justo tributo à sua Presidência de um país difícil.

Agora, as duas constatações. A primeira: todos os que apontaram falta de experiência administrativa em Dilma Rousseff -refrão que ecoou por mais de um ano- sabiam que ela chefiou o Gabinete Civil da Presidência desde a também notória demissão de José Dirceu, portanto, de 2005 a 2010. O Gabinete Civil é o centro nevrálgico da Presidência. Durante cinco anos, Dilma Rousseff esteve envolvida com todas as decisões administrativas da Presidência e, de algum modo, participou ou acompanhou as demais. É uma experiência de governo federal que nenhum outro candidato acumulou, nas eleições pós-ditadura e talvez também nas anteriores.

A experiência proporcionada por anos no Gabinete Civil não é garantia de alto desempenho no Gabinete Presidencial. Desde que a função seja exercida segundo o esperado, porém, não permite comparações, como conhecimento da administração federal, com anos no Ministério da Saúde, ou do Planejamento, ou outro ministério.

Com prefeitura e com governo estadual, a comparação nem faz sentido, assim como ocorre à experiência de congressista. Se Dilma Rousseff falhar, não será pela carência que mais lhe pespegaram indevidamente.

Em complemento, o ato mais irresponsável de toda a sucessão presidencial foi dispensado de assédio pelo ímpeto das ressalvas e contestações. A existência de vice-presidente no sistema governamental é o reconhecimento de que o país está sujeito à falta imprevista do presidente. Há outras soluções possíveis, mas essa é a brasileira. E comprovou-se, para ficarmos na história recente, quatro vezes. Duas em apenas 20 anos de democracia entre a ditadura de Getúlio e a ditadura dos militares, com as posses dos vices Café Filho e João Goulart; e outras duas no atual regime, com José Sarney e Itamar Franco.

A escolha do vice em uma chapa presidencial ou governamental é, portanto, ato de extrema responsabilidade. Ou, pelo menos, de responsabilidade equivalente àquela de que o candidato principal se pretende portador. Mas o vice de José Serra deveria representar, a meu ver, o maior motivo de preocupação em todo o processo sucessório. Emplacado, como presença do DEM na chapa, sem que o candidato principal nem sequer soubesse de quem se tratava, Indio da Costa era um risco de calamidade na eventual ocorrência de um incidente impeditivo de José Serra, se eleito.

Reconhecido como atrabiliário, violento, político recente, sem credenciais de talento especial ou maior competência, Indio da Costa -não por culpa sua- fez caber a José Serra o ato mais irresponsável e injustificável de toda a sucessão.
Sucessão, por sinal, que deixa muito a ser falado, de bom e, sobretudo, não.

0 Response to "Do que foi dito, ou não"

2leep.com
powered by Blogger | WordPress by Newwpthemes | Converted by BloggerTheme