Como a sisudez deu lugar ao sorriso

Dilma passou a ser vista pelas classes mais pobres como mulher "guerreira", que ajudou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a comandar os principais projetos do governo. "Ela foi a alma do governo Lula"

Terça-feira, 10 de agosto. Na sede nacional do PT, uma especialista em pesquisas expõe a dirigentes do partido levantamentos feitos desde janeiro, com gráficos descritos por petistas como "eletrocardiograma", indicando a nova fisionomia da candidatura de Dilma Rousseff à Presidência.

De ministra da Casa Civil desconhecida, Dilma passou a ser vista pelas classes mais pobres como mulher "guerreira", que ajudou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a comandar os principais projetos do governo. É com esse figurino que ela vai se apresentar na estreia do programa eleitoral de TV, no próximo dia 17.

A transição da ex-guerrilheira para a candidata "guerreira" jogou por terra o ideário da esquerda xiita. Para encarnar "a grande transformação" - termo com o qual foi batizado o radical programa de governo aprovado pelo PT, em fevereiro -, Dilma foi submetida a longo treinamento, que inclui a milenar arte marcial japonesa, conhecida como aikidô.

Na prática, a imagem de herdeira do espólio lulista começou a ser moldada há cerca de três anos, nos bastidores do Palácio do Planalto. Da simbiose com Lula à revolução estética, tudo foi planejado para suavizar a feição da caloura na cena política. De burocrata no gabinete, Dilma assumiu o posto de "mãe" do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e passou a subir em palanques. A sisudez deu lugar ao sorriso e o antigo penteado foi substituído por um clássico "a la Carolina Herrera".

Na largada da campanha, porém, uma sucessão de tropeços preocupou o comitê central e atiçou a oposição. Ao visitar Minas e Ceará, Dilma causou mal-estar entre aliados do PMDB e do PSB que digladiavam com o PT para compor os palanques. Atirou no adversário José Serra (PSDB) que, àquela altura, elogiava Lula. E, para completar, uma polêmica envolvendo o tamanho do Estado deu margem a interpretações sobre guinada à esquerda num eventual governo Dilma.

Pesquisas encomendadas pelo marqueteiro João Santana - o mesmo que fez a campanha da reeleição de Lula, em 2006 - indicaram a necessidade da correção de rota. Dilma recebeu, então, a incumbência de viajar a Nova York, ao lado do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci - fiador da política econômica no primeiro mandato - para prestigiar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Foi ali que, no dia 20 de maio, Meirelles recebeu uma homenagem da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

"Ou você escreve uma Carta ao Povo Brasileiro ou vai à homenagem a Meirelles", disse à candidata um dos principais coordenadores de sua campanha, numa referência ao documento que Lula divulgou na corrida eleitoral de 2002, comprometendo-se a manter o ajuste fiscal para acalmar o mercado.

Dilma, que em 2005 chamara o programa fiscal de Palocci de "rudimentar", cedeu. Da ala desenvolvimentista do governo, que atacava os juros altos, ela vestiu a camisa da ortodoxia econômica. Depois do afago a Meirelles, a equipe do PT ainda filmou seu encontro com investidores, também em Nova York, para exibir na propaganda eletrônica.

O resultado das sondagens que mostravam ser necessário empreender mudanças na campanha foi entregue a Lula por Santana no início de maio, antes dessa viagem. Ao saber do diagnóstico, o próprio presidente apresentou a Dilma a "teoria do copo d"água". A "técnica" consiste em tomar um copo d"água ao primeiro sintoma de explosão.

"Você não pode ser igual ao Ciro", recomendou Lula, numa alusão à língua afiada do deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Preocupado, o presidente conversou sobre o assunto com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, e com seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho. A decisão foi a de que Dilma tinha de se tornar uma candidata "leve", como leves eram os quatro capitães de sua campanha: o presidente do PT, José Eduardo Dutra; os deputados Palocci e José Eduardo Cardozo e o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel.

"Dilma, vejo que você está muito confiante. Mas cuidado!", advertiu Lula, segundo relato de testemunhas da conversa. "Os jornalistas vão querer tirar você do sério, mas, quando fizerem perguntas, por mais cabeludas que sejam, não interrompa. Sorria! Se você ficar irritada, pare e tome um copo d"água. Eu sei como é isso."

Diante de uma candidata ainda atarantada com os conselhos, Lula prosseguiu: "Não adianta ter conteúdo e pavio curto. Tem de ser leve." Tarimbado, Santana transformou os comentários de Lula em estratégia.

"Guerreira". Em 2006, quando assinou a campanha da reeleição do presidente, o marqueteiro monitorou a intenção de voto e os humores dos brasileiros em 53,9 mil entrevistas quantitativas e 7.392 qualitativas, todo santo dia, durante dois meses e meio. De caráter subjetivo, as chamadas "quali" medem as impressões do eleitor. Foi uma dessas "quali", apresentada ao comando do PT no último dia 10, que mostrou como a imagem de "guerreira" começa a grudar em Dilma. A luta da ex-ministra para combater o câncer no sistema linfático, detectado em abril do ano passado, contribuiu para formar, no imaginário da população, o perfil da mulher corajosa, que enfrenta qualquer obstáculo.

Uma interrogação, porém, ainda desafia o comando da campanha petista. Novas pesquisas revelaram que persiste a dúvida, na cabeça do eleitor, sobre a capacidade de Dilma em dar continuidade ao projeto de Lula.

É justamente esse receio que a equipe do PT tentará eliminar na atual temporada. A estratégia será a de associar a ex-chefe da Casa Civil, que também foi ministra das Minas e Energia, ao comando de programas sociais bem avaliados, como o Bolsa-Família, Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida.

"Ela foi a alma do governo Lula", resume o ex-seminarista Gilberto Carvalho, hoje encarregado de aproximar a candidata da Igreja Católica.

O semblante duro de Dilma foi suavizado pelas mãos do cabeleireiro Celso Kamura, que cortou suas madeixas, pintou-as de castanho e fez "luzes" para iluminar o rosto. A sobrancelha arqueada, que conferia a ela um olhar austero, também foi desbastada na parte de cima. Os movimentos tornaram-se mais soltos com o treino da consultora de imagem Olga Curado, a faixa preta de aikidô que ainda dá palpites sobre estilo e cor de roupa.

"Ela tinha um visual antigo, que não combinava com o seu perfil. Não era fotogênica: usava maquiagem pesada e estava com o cabelo horrendo", conta Kamura, escalado por Santana, que conhecia seu trabalho desde a campanha da ex-prefeita Marta Suplicy, em 2008.

No final daquele ano, Dilma - que já havia trocado os pesados óculos por lentes de contato - fez uma cirurgia plástica no rosto. Quatro meses depois, no entanto, em abril de 2009, ela descobriu o câncer e teve de se submeter a sessões de quimioterapia. Usou peruca durante sete meses.

Kamura, agora, sonha em repaginar novamente o visual de Dilma, se ela ganhar a eleição. Vai ser difícil convencê-la. "Acho que ela ficaria muito bem com o cabelo todo branco, igual a Meryl Streep no filme O Diabo Veste Prada, observa. A editora carrasca representada por Streep, porém, é tudo o que o PT quer ver longe de Dilma.

Para o comitê petista, a fama de mandachuva durona que marcou a passagem de Dilma pelo governo precisa ser arquivada. Na campanha, a dona de temperamento forte que distribuía broncas na Esplanada será substituída pela "mãe" do PAC e mulher que "cuida" dos pobres. É mais uma fórmula para atrair a simpatia do público feminino, faixa do eleitorado em que o desempenho da candidata ainda está aquém da expectativa. A tática ganhará reforço no horário gratuito, mostrando que ela, agora, está prestes a ser avó.

Dilma não é adepta do aikidô, mas ouve com interesse sua consultora de imagem citar o "princípio de absorção" do movimento dos atacantes para controlar as emoções. E, sempre que pode, refugia-se em músicas clássicas. Ama a Cavalgada das Valkírias , da tetralogia de Wagner, e a 5.ª Sinfonia, de Beethoven. Nas viagens domésticas, em jatinhos alugados pelo PT, treina a impostação de voz acima das nuvens e canta no avião.

Os exercícios de autocontrole de Dilma têm dado resultado. Desde junho não há mais testemunhos de que ela tenha perdido a calma em público. Uma das últimas vezes foi em novembro, quando se irritou com uma jornalista. "Minha filha, você está confundindo blecaute com apagão", esbravejou a candidata. Levou um pito de Lula. Agora, exercita a leveza do ser. Mesmo que, antes, tenha de tomar um copo d"água.

"O Estado de S.Paulo"




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