As novidades das urnas

O eixo da mudança teria sido a questão do aborto, o que revela de certa maneira a antecipação de um fenômeno esperado para os próximos anos: o aumento do conservadorismo das novas classes médias, recém promovidas socialmente.

As eleições deste ano no Brasil trazem algumas constatações interessantes na relação entre a política e a comunicação.

A primeira delas é que os institutos de pesquisa já não conseguem captar o pensamento da sociedade: todos eles erraram por muito na contagem final dos votos.

A segunda é que a internet já compete com a mídia tradicional na influência do eleitorado.

E a terceira é que o Brasil parece ter adquirido finalmente o respeito internacional pela solidez de sua democracia, depois de haver chamado a atenção do mundo pelo desempenho de sua economia.



A alienação dos institutos que tentam adivinhar o resultado das eleições já vinha se manifestando nos dias anteriores, com a oscilação dos votos da candidata Dilma Rousseff, que no começo da semana passada era considerada a mais atingida por correntes de mensagens na internet sobre a descriminalização do aborto.

Na véspera da eleição, porém, as pesquisas voltavam a apontar a grande probabilidade de vitória no primeiro turno, tendência que se manteve nas sondagens de boca de urna.

No final, a realidade mostrou o crescimento da candidata Marina Silva e a transferência da decisão para 31 de outubro.

A rede caótica da internet foi determinante, segundo os analistas citados pela imprensa, para tirar votos da candidata do governo e transferi-los para a outra postulante, Marina Silva, o que, segundo especialistas, revela um cuidado do eleitor de não confrontar o atual presidente da República, dono de índices de popularidade e aprovação históricos.

O eixo da mudança teria sido a questão do aborto, o que revela de certa maneira a antecipação de um fenômeno esperado para os próximos anos: o aumento do conservadorismo das novas classes médias, recém promovidas socialmente.

O enorme interesse da imprensa internacional pelas eleições no Brasil também é um fato inédito.

Depois de surpreender o mundo com o crescimento econômico dos últimos anos e a maior dinâmica social, o País apresenta aos observadores o espetáculo democrático das eleições ordeiras, seguras e livres, com um território quase continental e uma ampla diversidade populacional.

Está em jogo o legado de Lula, segundo a revista Época uma surpreendente história de sucesso.

Segundo turno não é reprise

Alberto Dines:

- Na sua derradeira manifestação eleitoral, o presidente Lula voltou a atacar a imprensa. Na carreata do sábado em São Bernardo do Campo, São Paulo, o presidente acusou aqueles que confundem liberdade de imprensa com autoritarismo da imprensa. A declaração é infeliz por dois motivos: porque não consegue disfarçar um ressentimento algo autoritário e porque, além disso é extemporânea, impertinente. Numa segunda leitura fica escancarada a tática de atacar à imprensa como recurso preventivo quando se sente em desvantagem.

É evidente que àquela altura, o presidente já fora informado pelos especialistas em sondagens de que a possibilidade do segundo turno era concreta, tanto assim que na manhã seguinte, ao votar, admitia abertamente esta possibilidade. Significa que o confronto governo-imprensa era falso, mero pretexto para colocar a disputa entre os principais candidatos em segundo plano.

O recurso não honra a celebrada e comprovada sagacidade do presidente que encerra um importante embate eleitoral – talvez um de seus últimos – compartilhando atitudes de aliados em países vizinhos sem a sua biografia, estatura e atributos. Para usar uma metáfora futebolística, o presidente saiu contundido desta partida tanto por este fecho como pelo desfecho estatístico-eleitoral.

Por outro lado, também ficou claro que a imprensa brasileira precisa se re-entender e se re-inventar. Ela é panfletária, mesmo quando se dispõe a investigar e consegue denunciar ilícitos ou malfeitorias. Ela precisa desvencilhar-se dos cacoetes marqueteiros da última década, que só valorizam a banalização e a fragmentação. Pouco adianta que jornais e revistas agora reclamem da ausência de debates sobre idéias e programas no primeiro turno. Os responsáveis por esta insensibilidade e indiferença são os próprios jornais e revistas que habituaram os leitores a um jornalismo raso, montado dentro dos paradigmas do espetáculo e do entretenimento.

Se a mídia critica uma arrogância do presidente no tocante ao seu desempenho, esta mesma mídia precisa despojar-se da onipotência para começar a conviver com a crítica e os conceitos de pluralismo e diversidade.

A idéia de um organismo auto-regulador é positiva, mas insuficiente. As gestões que o presidente do Senado, José Sarney, começou a fazer nos últimos dias para ressuscitar o Conselho de Comunicação Social são mais do que bem-vindas. Ele o liquidou, cabe a ele devolver este importante órgão ao convívio institucional.

O que não pode ser esquecido nestas primeiras avaliações é que a pesquisite e o pesquisismo sofreram um sério revés, alguns institutos de opinião mais do que outros. De qualquer forma ficou claro que obsessão da mídia pelas sondagens terá que ser refreada na cobertura eleitoral. Ou os entrevistadores não souberam escolher os entrevistados para compor tendências ou os entrevistados enganaram os entrevistadores. O que parece mais provável.

A disputa eleitoral vai ser passada a limpo. Isto é ótimo. Desde que não seja uma reprise.

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