O jornalismo mediúnico do überreporter Bob Woodward

Repórter que derrubou Nixon lança livro e Washington treme. Mas o “método Woodward” de reportagem é cada vez mais questionado. Para os críticos, Woodward faz o chamado “jornalismo mãe Dinah”, ou seja, ele precisaria ter poderes mediúnicos para ler o pensamento de seus entrevistados e descrever seus sentimentos, como frequentemente faz em seus livros.

Patrícia Campos Mello, no ESTADÃO

Já se tornou um clássico nas altas esferas do poder em Washington. Toda vez que o über-repórter Bob Woodward lança um livro sobre os bastidores da Casa Branca, uma comoção toma conta da capital americana. Em 15 livros lançados, ele já eviscerou os governos Nixon, Bush pai, Clinton e Bush. Só nas narrativas de Woodward é que ficamos sabendo o que discutia o casal Clinton quando estava na cama e o que pensou George W. Bush no momento em que soube do atentado de 11 de setembro. Seu novo livro, “Obama’s wars”, lançado na segunda-feira, não é diferente. Ao relatar o dilema do presidente Barack Obama em relação à escalada da guerra no Afeganistão, sobram intrigas palacianas e crises íntimas de ministros, militares e até do próprio presidente. Woodward descreve como “Obama se sentiu desrespeitado e encurralado”quando ouviu seu principal general no Afeganistão, Stanley McChrystal, pressionar por envio de mais tropas, em discurso na sede da Otan. “Podesta (John Podesta, líder da equipe de transição de governo) não tinha certeza de que Obama tinha sentimentos, especialmente em seu âmago”, garante o jornalista. James Jones, líder do Conselho Nacional de Segurança, achava que “Obama era mole com seus assessores políticos”.



Woodward é uma grife no jornalismo americano. Ele não parou de dar furos desde sua reportagem, junto com Carl Bernstein, sobre o caso Watergate – que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. De lá para cá, sua fama só fez crescer – todos os seus livros ascendem à lista dos mais vendidos.

Mas o “método Woodward” de reportagem é cada vez mais questionado. Para os críticos, Woodward faz o chamado “jornalismo mãe Dinah”, ou seja, ele precisaria ter poderes mediúnicos para ler o pensamento de seus entrevistados e descrever seus sentimentos, como frequentemente faz em seus livros. Sua técnica de reportagem vai bem além da festejada “mosca na parede” do Novo Jornalismo americano, eternizada por escritores como Gay Talese e Lillian Ross. Woodward não tenta simplesmente se posicionar como narrador observador e reconstituir em mínimos detalhes tudo o que acontece. Ele está mais para narrador onisciente, que mergulha no íntimo de generais prestes a ordenar ataques contra a Al Qaeda, espiões recém-demitidos e presidentes com questões Freudianas.

No livro “The Agenda”, de 1995, um exame sobre os 100 primeiros dias do governo Clinton, Woodward descreve várias reuniões em detalhes minuciosos, e não dá nenhuma dica sobre onde ou como conseguiu essas informações. Muitos jornalistas afirmam que, como narrador de um fato, o jornalista deve ao seu leitor uma explicação sobre a origem das informações.

Escolado nesse tipo de crítica, Woodward reserva uma “nota para leitores”de duas páginas explicando seu modus operandi em “Obama’s Wars”. “As entrevistas foram conduzidas ‘em background’, ou seja, a informação podia ser usada mas as fontes não podiam ser identificadas pelo nome.” Mais adiante, Woodward esclarece para o leitor que possa se admirar com suas capacidades paranormais que “qualquer atribuição de pensamentos, conclusões e sentimentos a uma pessoa foi atribuída diretamente da pessoa, de anotações ou de algum colega para o qual a pessoa disse”. Ou seja, ele admite que descreve o que alguém pensou a partir do que uma terceira pessoa diz a ele, Woodward, o que esse alguém disse que pensou. Hã?

Mais para frente, nas notas explicativas, o jornalista têm o cuidado de especificar quantas fontes confirmaram determinados episódios narrados no livro.
Outra crítica é relacionada ao tratamento reservado às declarações dadas pelas fontes. Já existe uma lei não escrita em Washington: “Se você fornecer muitas informações para Woodward, ele será mais benevolente ao retratá-lo no livro; se você se fechar, fatalmente sairá como vilão.”

Seguindo essa lei não escrita, fica claro em Obama’s Wars que o general James Jones , líder do Conselho de Segurança Nacional, foi grande colaborador de “informações off the record” para Woodward – ele sai como determinado e inteligente. Ele alfineta vários de seus desafetos: o ministro da Casa Civil Rahm Emanuel e David Axelrod, principal conselheiro político, são chamados de a “Máfia” e “Politburo” de Obama. O vice-presidente Joe Biden é outro que sai bem na foto. Em uma das cenas, Biden enfrenta corajosamente o presidente afegão, o bipolar Hamid Karzai, em um jantar oficial.

Já Richard Holbrooke, enviado especial para Afeganistão e Paquistão, deve ter sido avaro nas entrevistas a Woodward. “Só com o governo já bastante avançado é que Holbrooke descobriu como Obama definitivamente não gostava dele.”
O escritor Christopher Hitchens, que adora uma polêmica, chama Woodward de “estenógrafo das estrelas” e desmerece esse tipo de jornalismo, que ele classifica de “jornalismo de acesso ou de insider”. “O método envolve uma troca com as fontes, na qual informações fornecidas de forma anônima pelo menos garantem que o lado da fonte na história seja contado.”

Outra crítica, feita por analistas de política externa como o Andrew Bacevich, é que os livros dele são um amontoado de fofocas e intrigas de poder – uma delícia de ler, mas sem substância real. “Ele é o fofoqueiro chefe da classe governante”, diz Bacevich. Por exemplo, em um dos livros sobre o governo Clinton, ele descreve como foi caótico e cheio de picuinhas o processo de elaboração do orçamento em 1993 – esse mesmo orçamento se provou um dos maiores sucessos daquele governo, responsável por tirar os EUA do déficit por muitos anos.

Mas Obama’s Wars, por exemplo, traz algumas informações inéditas e importantes, como detalhes sobre o “exército secreto” da CIA no Paquistão, que tem 3 mil homens encarregados de encontrar e matar membros do Taleban. Woodward revela também que havia uma ameaça de atentado terrorista de somalis na cerimônia de posse de Obama.
Historiadores previsivelmente torcem o nariz para o “método Woodward” de reconstituição. “Acho difícil acreditar em 100% do que ele escreve”, diz Thomas Whalen, professor de História Política da Universidade de |Boston e autor do livro Higher Purpose: Profiles in Presidential Courage . “Ele se baseia quase que exclusivamente em fontes anônimas e é um trabalho um pouco preguiçoso, em que você simplesmente reproduz o que essas fontes dizem, sem avaliar as motivações ulteriores de cada pessoa”.

Mas, há que se notar, raramente alguém vai a público dizer – eu não pensei isso, eu não estavama me sentindo deprimido. E, para quem acha que Woodward é “cascateiro”, gíria jornalística para descrever repórteres que exageram ou embelezam suas apurações, é bom saber que o repórter chega para entrevistas de posse de vários documentos e relatórios ultra-confidenciais sobre operações secretas. Muitas vezes, ele já tem metade da história quando chega para confrontar uma fonte.
Bob Schieffer, um dos mais respeitados âncoras o jornalismo americano, diz que Woodward “é o melhor repórter de nossa era – e talvez de todas as eras.”Em suas memórias, David Gergen, que foi assessor de quatro presidentes americanos, defendeu Woodward. “Eu não aceito tudo o que ele escreve como dogma – às vezes ele erra em alguns detalhes – mas, em geral, suas narrativas são confiáveis e merecem muita atenção. Ele é uma força que ajuda a manter os governos honestos.”

Ter sido interpretado por Robert Redford no cinema talvez tenha contribuído para sua aura de superstar e gerado mais implicância no meio do jornalismo dito sério. Mas Woodward, em entrevista ao Financial Times no ano passado, diz não se importar com as críticas a seus métodos.Embora ele admita que o fator Robert Redford lhe traz certa dor de cabeça. “. “Você não tem ideia de como as mulheres ficam decepcionadas quando me conhecem pessoalmente.”

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