Abril manda embora jornalista que criticou a Veja (abril/2010)

Mas quem não é melhor que Reinaldo Azevedo? Se o dono da Veja fosse um furúnculo cover da Lady Gaga no suvaco de um zebu nos estertores finais de seu sufocamento por gases internos, ainda seria melhor que o Reinaldo Azevedo.
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Blog NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA

Como vocês já devem saber, a Abril demitiu um jornalista que criticou, no Twitter, aquela reportagem universalmente reconhecida como fraude sobre política indigenista. O jornalista, que não vou citar nominalmente porque não quero que seja colocado em lista negra (se ainda não estiver lá), trabalhava em outra revista do grupo Abril.

Quando vi que um jornalista tinha sido demitido por causa dessa reportagem, minha primeira reação foi, como assim, um? Eram três os autores daquela merda! Só um que era petista preto gay nascido no Quênia defensor da tese do aquecimento global? Só depois que eu vi que quem tinha sido mandado embora foi um outro cara. Que bonito.



Passei o dia conversando com a galera no twitter e por email pensando se não estaria queimando o filme do cara levando a discussão adiante. Tive amigos jornalistas dizendo que sim, outros que não (em geral argumentando que o cara já se ferrou, mesmo). Na dúvida, vou me ater a dois fatos.

1) O debate público é mediado por empresas de comunicação. O cara falou mal da empresa em que trabalhava. Os donos de empresa de comunicação reunidos no Instituto Millenium não se referiam, naturalmente, à liberdade de seus funcionários dizerem o que quisessem.

Empresa é assim, não há empresa gerida democraticamente, nós é que às vezes sonhamos que o debate público pode ser livre mesmo quando nós não o forçamos a ser.

O jornalista foi ingênuo, portanto, ao se surpreender com a reação da Veja. A Veja é isso, as empresas de comunicação são assim. Você não pode (não no sentido moral, no sentido de ser possível) sair malhando a empresa em que trabalha em público.

Ainda é melhor do que se só houvesse comunicação estatal, ou só jornalzinho de grêmio.

Claro, não há produto a ser vendido se o público não acreditar que o debate é livre, por isso ele sempre vai ter que ser livre em algum grau, mas faz tempo que a Veja desistiu de contribuir para a credibilidade da indústria como um todo. Porque não tem gente boa o suficiente pra isso. Só lhe resta o nicho dos reinaldetes, porque fora dali é preciso saber, bem, algo.

Imaginem o ganho de imagem que a Veja poderia ter se lançasse as três cavalgaduras que escreveram a matéria original para discutir abertamente com o cara, no Twitter, mesmo, e eles tivessem alguma chance de ganhar o debate.
Mas quem não é melhor que Reinaldo Azevedo? Se o dono da Veja fosse um furúnculo cover da Lady Gaga no suvaco de um zebu nos estertores finais de seu sufocamento por gases internos, ainda seria melhor que o Reinaldo Azevedo.

Mas não tinham, é claro, porque cometeram fraude jornalística da pior qualidade, e apanhariam como cão sarnento. Nesse quadro desolador, mandar o cara embora provavelmente foi mesmo a melhor solução para a Veja, que não tem recursos humanos para ganhar debate não-viciado.

Em geral, eu discordaria da Abril pelo seguinte: era melhor engolir a crítica e manter forte a sinalização de que os leitores estão lendo o que os jornalistas pensam, não o que o dono da revista pensa.

Ninguém está interessado no que pensam os herdeiros do Roberto Marinho (a não ser que seja em uma palestra sobre administração empresarial), o Frias (pelo menos enquanto dono do jornal; as colunas dele podem ter interesse), ou, minha Nossa Senhora das Cabeças, afastai a infernal tentação, o Civita.

A gente compra jornal para ler jornalista. Se eu achar que quem está escrevendo não é o Gaspari, é o Frias, eu paro de comprar a Folha. E se o Frias der sinais de que ameaça o Gaspari com demissão quando ele escreve algo contra a linha editorial da Folha, eu vou achar a coluna do Gaspari menos do Gaspari, e vou ter menos vontade de ler.

Mas se um jornalista do grupo Folha xingar a Folha no Twitter, eu não paro de ler a Folha por isso. Acho até engraçado. Mais: se o cara não for demitido, aumenta minha fé de que a coluna do Gaspari é do Gaspari.

Claro, isso só dá certo se os jornalistas forem mesmo melhores que o dono. Mas quem não é melhor que Reinaldo Azevedo? Se o dono da Veja fosse um furúnculo cover da Lady Gaga no suvaco de um zebu nos estertores finais de seu sufocamento por gases internos, ainda seria melhor que o Reinaldo Azevedo.

A Veja, de fato, não tem recursos humanos para exigir legitimamente que o chefe deixe os caras fazerem seu trabalho. Isso seria mesmo uma temeridade. Só um petralha mesmo para exigir um negócio irresponsável desses. A melhor esperança dos leitores da Veja é que ela seja censurada pelo dono, ou aliás, por passantes aleatórios, pelo oráculo dos cristais ciganos, pelo Quiroga, ou pela magic eight ball, que seja. Quanto mais garantias eu tiver de que a coluna do Reinaldo Azevedo não é o que ele pensa, mais provável que eu leia.

2) O preocupante é o efeito demonstração do caso. O jornalista demitido não manifestou suas opiniões na revista em que trabalhava, mas em sua conta do Twitter. O que o Civita disse pra ele foi, não se engane, eu sou dono do seu Twitter, também. E isso lança uma sombra sobre a esfera pública virtual brasileira.

Grande parte do debate na blogosfera e na twittosfera é feita por jornalistas, por vezes, com pseudônimo – e não estou falando desses caras que o jornal obriga a escrever coluna como post porque blog é um negócio da moda, estou falando da turma que faz blog propriamente dito.

É fácil perceber porque os jornalistas produzem vários dos melhores blogs. Junto dos acadêmicos desterrados e de meia dúzia de casos excepcionais (o Hermenauta era um caso raríssimo), os jornalistas são os caras que escrevem melhor, e são melhor informados.

Isso é assim no mundo todo. Tem o Tyler Cowen, tem os caras do Crooked Timber, mas quase todos os blogueiros top – Andrew Sullivan (blogger supreme), Ezra Klein, Yglesias, são jornalistas.

Hoje os caras amanheceram com um pouco menos de convicção de que podem dizer o que quiserem quando escrevem fora do expediente. Não há massa crítica no Brasil ainda para eles viverem de blog. De uma tacada, a Abril diminuiu a temperatura da nossa democracia virtual consideravelmente.

É verdade, o cara que foi demitido forçou a mão no vocabulário na hora de criticar (em termos de conteúdo, não há forçada de mão que seja suficiente ali). Mas se não tivesse forçado, vocês acham que não teria sido demitido simplesmente por ter criticado a filha burra da família Abril? Teria.

A Abril tem, repito, o direito de demitir quem quiser. Se os caras acham melhor ficar in denial a respeito da matéria sobre os índios, que lhes renderá prejuízo de reputação muito maior do que qualquer indenização a ser paga ao Professor Viveiros de Castro – é absolutamente óbvio que nenhum acadêmico tem mais direito de dar entrevista à Veja enquanto não houver um pedido de desculpas formal e compensação financeira vultosa ao Professor- eles têm o direito de fazer isso. Não é o meu dinheiro que sustenta aquele negócio.

A demissão foi business as usual, empregado fala mal da empresa, empresa manda embora empregado. Mas não há como negar que a velha mídia conseguiu, com essa, baixar a credibilidade da nova, sem, contudo, aumentar em nada a sua própria. Todos perdemos.

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