O mal a evitar

No mesmo dia, o último domingo, os dois jornais mais influentes do país publicaram editoriais contundentes sobre as eleições que se avizinham. Com o mesmo tom e muitas semelhanças, é uma coincidência muito grande, ou é resultado de algum tipo de combinação. Ficam as especulações. O que é fato é que, tomando posições diferentes sobre si mesmos, Folha de S. Paulo e Estadão tomaram a mesma posição sobre a sucessão presidencial, e com ataques pesados.
O Estadão teve uma atitude honrada, mas os meios que usou para esse fim mereceriam outros adjetivos, todos eles negativos. Declarou, nesse editorial, apoio ao candidato do PSDB à presidência, José Serra, como a revista Carta Capital já havia feito com a petista Dilma Rousseff. Até aí tudo bem, é uma decisão questionável, mas ao menos o jornal não se traveste de uma falsa imparcialidade. Dos males o menor.
As justificativas do Estadão para defender Serra, porém, são perigosas, pois, pra começar, praticamente ignoram o candidato tucano. Concentram-se todas em seus adversários petistas, Dilma e o presidente Lula, e não são apenas críticas. São críticas agressivas, que buscam criar um clima de confronto aberto com Lula, um clima pesado que remete a filmes que já vimos, e dos quais não gostamos.
Com o título “O mal a evitar”, o Estadão diz que Lula não gosta de ser criticado, quando na verdade o que aparece é que as críticas ao jornal paulista não vêm sendo bem assimiladas por seus chefões. O editorial dá a entender que o governo não gosta da imprensa, não gosta da liberdade e é um mar de corrupção. Diz que Lula ignora as instituições e atropela as leis, e reconhece no presidente dois aspectos positivos: a manutenção da política econômica de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o avanço dos programas sociais.
Curiosamente, são os dois aspectos positivos reconhecidos também pela Folha de S. Paulo em editorial do mesmo dia. Com o título “Todo poder tem limite”, a Folha busca, novamente, o poder absoluto para si mesma e para os veículos que, junto com ela, formam a imprensa hegemônica brasileira, e têm trabalhado de forma muito entrosada na atual campanha eleitoral. O tom do texto é o mesmo: fala em “risco”, enquanto o Estadão fala em “mal a evitar”. Diz que o governo “julga-se acima das críticas”, enquanto o Estadão diz que Lula “tem o mal hábito de perder a compostura quando é contrariado”. E por aí vai. Editoriais orquestrados ou coincidência?
O texto da Folha, porém, reafirma categoricamente sua imparcialidade, sua isenção. O jornal se classifica como “imprensa independente”, de forma quase patética, e, no último parágrafo, assusta seus leitores mais atentos ao histórico da imprensa hegemônica brasileira, apoiadora do Golpe Militar de 1964. Como uma ameaça à democracia fantasiada de ameaça ao PT, afirma:
 
Fiquem ambos (Lula e Dilma) advertidos, porém, de que tais bravatas somente redobram a confiança na utilidade pública do jornalismo livre. Fiquem advertidos de que tentativas de controle da imprensa serão repudiadas – e qualquer governo terá de violar cláusulas pétreas da Constituição na aventura temerária de implantá-lo.
A Folha, que se diz livre, independente e diz possuir “utilidade pública”, ameaça quase abertamente derrubar o governo Dilma que deve se confirmar em 3 de outubro. Só não vê a ameaça quem não quer. A grande imprensa brasileira está à frente de uma cruzada contra os governos federais do PT, e aos poucos deixa de esconder isso, perde a vergonha completamente. Para quem a perdeu 46 anos atrás, não custaria nada perder novamente. Esse é o verdadeiro mal a evitar.
*A capa da Folha de S. Paulo de duas semanas após o Golpe de 64 foi retirada do blog Brasil Autogestionário.

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