Direitos trabalhistas são entraves ao bem-estar das pessoas?

Apesar de vir da boca de uma especialista em RH, essas posições certamente encontram eco entre direções e gerências de empresas. Seria interessante que cada vez mais esses temas ganhassem o debate público e que trabalhadores e patrões pudessem expor seus pontos de vista. Melhor ainda se os candidatos nestas eleições gerais colocassem para fora o que pensam dos temas.

Blog do Sakamoto

Ouvi uma entrevista com uma especialista em recursos humanos no rádio. Olha, estou acostumado a me deparar com cada coisa, mas dessa vez fiquei atônito. Não com o conteúdo que ela trazia ao público, mas com a sinceridade com a qual tratou alguns temas, defendendo que determinadas regras trabalhistas atrapalham o bem-estar das pessoas. Vamos a alguns deles:

- Extensão da licença maternidade para seis meses. Basicamente, ela taxou isso como um absurdo, uma vez que a mulher, quando volta ao trabalho, está completamente fora do tempo da empresa, que avançou sem ela, e poderia se tornar descartável. Ou seja, a culpa é do maldito ato de amamentar e daquele ingrato bebê que foi nascer logo agora quando havia um lugar ao sol para a mulher! Nada sobre o ambiente de trabalho criado que ignora que (ainda) não somos máquinas, mas sim seres de carne e osso com uma vida do lado de fora.



Primeiro, se a mãe não quer usar esse tempo, ótimo, use o quanto quiser, mas é ela quem deve fazer a escolha e não uma pressão corporativa idiota. Segundo, as empresas deveriam, se necessário, atuar individualmente com as profissionais para a readaptação ao local de trabalho, como em muitos países socialmente desenvolvidos. Terceiro, há países da Europa em que a licença estendida pode ser dada à mãe ou ao pai – sim, em um casal com direitos iguais, tarefas divididas igualmente. Há locais em que ela opta por tirar quatro meses e os outros dois ou oito meses ficam com o pai, se assim decidirem.

- Ponto eletrônico. Segundo a entrevista, voltamos à idade da pedra do trabalho pelo governo federal adotar o ponto eletrônico com impressão de comprovante. De acordo com a especialista, em um momento em que contar horas trabalhadas perde em importância diante dos processos tecnológicos que estão adaptando o serviço à vida do empregado e ao seu bem-estar. Há!

Como já disse aqui, ao longo do tempo, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho receberam muitas denúncias relacionadas a fraudes nos sistemas de ponto utilizados por grandes empresas como magazines varejistas e redes de supermercados. Denúncias formuladas por trabalhadores e sindicatos, que revelaram fraudes, em especial com a finalidade de reduzir as horas extras computadas. Foram encontrados programas de controle de ponto eletrônico que permitiam que o empregador, por meio de senhas, tivesse acesso posterior às marcações dos empregados e pudesse – inclusive – alterar horários de entrada e de saída, além dos intervalos para repouso e alimentação. Ou seja, depois que você bateu o cartão, alguém vai lá e diminui o seu tempo de trabalho. Uma rede de supermercados confessou a um juiz no Rio Grande do Norte que alterava “para o bem” as marcações. Faz-me-rir. Reclama-se que isso vai consumir mais papel. Se isso garantir que o trabalhador não seja tungado, ótimo, vale a pena.

Eu sou um escravo do meu smartphone, por isso sei muito bem os males que ele faz à minha saúde física e social da mesma forma que reconheço as coisas boas. A Folha de S. Paulo trouxe uma matéria neste domingo (22) – “Tecnologia prolonga jornada de trabalho” – que trata exatamente como o uso desses aparelhinhos, além dos computadores portáteis, pode aumentar o tempo trabalhado – muitas vezes não remunerando-o. Há quem defenda isso, dizendo que a desterritorialização do local de trabalho pode aumentar o bem-estar do trabalhador. O problema é que nem sempre o trabalho é um prazer e você acaba carregando um fardo para onde quer que vá, à disposição, produzindo valor que não será, necessariamente, compartilhado com você. Como disse o professor Ricardo Antunes, da Unicamp, na mesma matéria: “Aumentam os adoecimentos e o estresse. A aparência da liberdade do trabalho em casa é contraditada por um trabalho que se esparrama por todas as horas do dia e da noite”.

Na entrevista que ouvi hoje, a especialista não quis se aprofundar na questão da redução da jornada de trabalho. Disse que não faz sentido, hoje, a discussão de horas, mais ou menos pela mesma crítica que fez ao ponto eletrônico. Não? Conforme a Organização Internacional do Trabalho divulgou a redução do teto da jornada para 40 horas semanais, como defendem as centrais sindicais, beneficiaria um contingente de 18,7 milhões de trabalhadores brasileiros, que teriam mais horas para ficar só com a familia, fazer um curso, ter lazer, beber cerveja na frente da TV, qualquer coisa menos pensar em trabalho. Porque pensar em trabalho pode cansar tanto quanto trabalhar.

Um dado interessante: de acordo com a OIT, a média de horas trabalhadas por semana pelos homens era de 44 horas, quase oito a mais do que a jornada das mulheres, de 36,4 horas. Mas no conjunto das mulheres brasileiras ocupadas, uma expressiva proporção de 87,8% também realizava afazeres domésticos, enquanto que entre os homens tal proporção expressivamente inferior (46,5%). A média de horas dedicadas aos afazeres domésticos foi de 18,3 pelas mulheres e de 4,3 pelos homens ocupados, ou seja, 14 horas a menos. Somando, as horas trabalhadas fora e em casa, as mulheres são mais exigidas. Afazeres domésticos, como cuidar dos filhos, muitas vezes sem a mínima ajuda do marido.

Apesar de vir da boca de uma especialista em RH, essas posições certamente encontram eco entre direções e gerências de empresas. Seria interessante que cada vez mais esses temas ganhassem o debate público e que trabalhadores e patrões pudessem expor seus pontos de vista. Melhor ainda se os candidatos nestas eleições gerais colocassem para fora o que pensam dos temas.

Mas, como já disse, nenhum postulante está sendo verdadeiramente pressionado a se posicionar a respeito de qualquer projeto concreto de interesse dos assalariados ou dos mais pobres em entrevistas, debates, artigos ou editoriais. Assuntos como redução da jornada de trabalho, aumento da licença maternidade, taxação de grandes fortunas, correção dos índices de produtividade da terra, defesa do Código Florestal, entre outros, são tratados como polêmica ou tabus pelas campanhas. Assim fica difícil.

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