Por que os paulistanos rejeitam Serra

Serra tomou a decisão que selou seu destino na cidade.Nas eleições de 2008 para prefeito de São Paulo, ele apoiou seu apadrinhado Kassab, do DEM, e não o tucano Geraldo Alckmin. Pegou muito mal. Lealdade não é tudo mas é 100%.

Dilma Rousseff chegou a 41% das intenções de voto na cidade São Paulo, contra 35% de José Serra. Pesquisa do DataFolha, 26 de agosto.

Assombro geral. Será o milagroso carisma do padim Lula? A onda vermelha? O Bolsa Família? Dilma tirou de Serra o apoio da Fiesp? Tudo tem


explicações. Encontrar algumas exigem esforço. Outras estão no nariz. Comece procurando a principal.

Em dezembro de 2009, 61% dos paulistanos desaprovavam o governo do prefeito Gilberto Kassab, do DEM, sendo que 27% consideravam seu desempenho ruim ou péssimo.

Mês seguinte, a cidade foi inundada. Em fevereiro de 2010, a revista Época São Paulo publicou uma reportagem de capa corajosa sobre o tema, baseada em pesquisa do Ibope e em um mergulho nos orçamentos da prefeitura. O dado mais chocante: metade dos paulistanos desejava deixar a cidade.

Mais que tanto os paulistanos viam de defeito em Kassab? A lista é longa. Transporte? Caiu a verba da Secretaria de Transportes 29%, que ao mesmo tempo ficou mais caro. Melhor andar a pé? Não, as calçadas estão podres, e o investimento para reformá-las caiu 40%.

Vamos sair nadando, então, que as enchentes continuam, e o investimento em drenagens e saneamento em 2010 será 45% menor que o de 2009, segundo o orçamento do município.Vamos à segurança? 87% dos paulistanos acham a cidade muito insegura e 52% têm mais medo que sair à noite do que no ano passado.

Vamos enfrentar o crime? Claro que não. A verba prevista no Orçamento para a Secretaria Municipal de Segurança Urbana que inclui Defesa Civil e Guarda Civil Metropolitana, foi reduzida em 15%.Faltam recursos?

É tempo de crise? Não. A economia brasileira cresce rápido. E os impostos em São Paulo também. O IPTU subiu até 30% para casas e até 45% para imóveis comerciais, mas como mudou a base de cálculo, teve casos de aumento de 100% no IPTU.

Mas o problema vai bem além de ter dinheiro no orçamento. Mesmo quando há verba prevista, a administração Kassab não usa. Exemplos sobram. Só um: em 2009, foram previstos R$ 90 milhões para construir hospitais em Parelheiros, Vila Matilde e Brasilândia, três bairros muito carentes. Para 2010, as obras terão metade dos recursos. Dá trabalho construir hospital. É mais fácil fazer propaganda.

Em 2009, o orçamento para publicidade da prefeitura foi de R$ 31 milhões. O previsto no orçamento de 2010 era de R$ 126 milhões, podendo chegar até R$ 200 milhões. Ano de eleição, já viu. Resultado de tanta propaganda: segundo levantamento de julho, 58% dos paulistanos não aprovam o trabalho de seu prefeito, Gilberto Kassab.

Com ou sem anabolizante, a nota que ele ganhou da população em julho, de zero a dez, foi 5,5. A dois meses das eleições!Para que tentar limpar a barra, se a eleição para prefeito é daqui a dois anos e Kassab não concorre a nada desta vez? A questão é que São Paulo é a vitrine número um de José Serra e Kassab, seu herdeiro político na cidade.

Uma figura irrelevante em termos eleitorais, ex-malufista, se elegeu prefeito da maior cidade do país exclusivamente porque Serra o colocou lá.Nós, paulistanos natos ou transplantados, não perdoamos essa. Ainda mais depois de tudo que Serra fez para ser prefeito.

José Serra era deputado federal quando foi candidato a prefeito de São Paulo pela primeira vez em 1988, 22 anos atrás. Ficou atrás de Luiz Erundina, João Leiva e Paulo Maluf. Se reelegeu deputado federal com votação recorde no estado, 340 mil votos. Em 1994, se elegeu senador com 5,4 milhões de votos. O que fez em 1996? Concorreu de novo à prefeitura. Perdeu para Celso Pitta e ficou atrás de Luiza Erundina.

Depois foi ministro do planejamento, da saúde, candidato a presidente em 2002 contra Lula e – adivinha – se candidatou de novo a prefeito. Na sua terceira tentativa, Serra foi eleito prefeito de São Paulo. Foi no segundo turno, com 55% dos votos válidos, 3,3 milhões. Para isso, se dispôs a assinar um documento, prometendo que, caso eleito, não abandonaria o mandato para concorrer em outra eleição.

Tomou posse dia 1º de janeiro de 2005, para um mandato que deveria ser cumprido até 1º de janeiro de 2009.Pois um ano e três meses depois, dia 31 de março de 2006, deixou a prefeitura na mão de Gilberto Kassab, seu vice. Para, claro, se candidatar a governador.

Os paulistanos escolheram um prefeito tucano, que obssessivamente buscava ser prefeito de sua cidade fazia décadas. Levaram no lugar um obscuro malufista no lugar, ex-secretário de Celso Pitta.


Nas eleições para governador em 2006, naturalmente era forte o rumor de que Serra queria se eleger Governador só como trampolim para uma nova candidatura à Presidência. Em um debate na Record, Boris Casoy perguntou se ele cumpriria mandato até o final: “o senhor recomenda seus eleitores a não votarem mais no senhor se fizer o oposto”?

Serra disse: compromisso assumido.Serra se elegeu, contra Aloísio Mercadante, com 58% dos votos. Assumiu dia 1º de janeiro de 2007. No meio de 2009 já era claro que seria o candidato a presidente pelo PSDB, largando novamente o mandato antes da hora. Foi o que fez.

Mas antes disso, Serra tomou a decisão que selou seu destino na cidade.Nas eleições de 2008 para prefeito de São Paulo, ele apoiou seu apadrinhado Kassab, do DEM, e não o tucano Geraldo Alckmin. Pegou muito mal. Lealdade não é tudo mas é 100%. Ainda mais que Alckmin é querido de muitos paulistas e paulistanos. Foi vice de Covas, governador etc.

Embora seja do interior, é quase uma caricatura de paulistano feito por um cartunista carioca. É pálido, careca, só fala de trabalho e parece tomar banho de gravata.Em 2008, vinha de enfrentar Lula em 2006, e não deu moleza. Queimou a fita de Serra trair a confiança dos paulistanos na eleição para prefeito. Tostou, repetir o feito na eleição para governador.

Mas no meio disso, ainda teve esta bola nas costas de Alckmin, seu companheiro de partido, para apoiar Kassab.Que se elegeu exclusivamente graças a Serra, numa marola de factóides. Se tivesse feito um mandato brilhante nos anos seguintes, talvez a cidade desse um desconto para Serra.

Mas foi a tragédia acima, e completa com denúncias de desvios, jogatina imobiliária, truculência com miseráveis etc. Tudo isso é público, e um bom repórter investigativo encontraria muito mais argumentos que os que você acabou de ler.

Sou só um cara que sabe ler, que mora nesta cidade faz 27 anos e vê ela piorar ano após ano, e que desistiu de votar faz tempo. Esta é a principal explicação de porque Serra perde para Dilma na cidade de São Paulo. Nós, paulistanos, como o resto dos brasileiros, não conhecemos Dilma. Mas conhecemos Serra.

do Blog do André Forastieri

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